terça-feira, 13 de abril de 2010

A lenda de Ruy Barbosa e a convivência com a ignorância

Ruy Barbosa de Oliveira (1849-1923) foi ícone no Direito, na política, na diplomacia e também na filologia. Excelente orador e amante doentio do vernáculo e da literatura, Ruy Barbosa foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras nos idos de 1897. Inquestionavelmente, esse homem foi um grande intelectual no Brasil e no mundo à sua época.
A idéia desse texto surgiu em uma das conversas com uma pessoa muito especial, o velho amigo Maurício Antônio Rosa - há algum tempo atrás.



A lenda de Ruy Barbosa e a convivência com a ignorância

Reza uma lenda que Ruy Barbosa, certa vez, quando regressava à sua casa, ouviu um ruído estranho vindo do seu quintal. Valente como era, quis, o quanto antes, saber o que se passava. Foi então que encabeçou rumo ao quintal e, lá chegando, constatou haver um ladrão tentando levar seus patos de criação. Aproximou-se vagarosamente do indivíduo e, surpreendendo-o ao tentar pular o muro com seus amados patos, disse-lhe:

“- Oh, bucéfalo anácrono! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo ato vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo; mas se é para zombares da minha elevada prosopopéia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à qüinquagésima potência que o vulgo denomina nada.”

E o ladrão, confuso, disse-lhe: " - Dotô, eu levo ou deixo os pato?"

Como o título bem menciona, trata-se de uma lenda; não se sabe se esse diálogo invejável realmente ocorreu, embora tenha sido do feitio de Ruy Barbosa ser muito hábil com as palavras.

À guisa de análise, cumpre observar, preliminarmente, que existe uma grande diferença entre a pessoa de Ruy Barbosa e a pessoa do ladrão. Essa diferença reside na falta do saber e denomina-se ignorância. O ladrão nem ao menos consegue entender o rebuscado português de Ruy Barbosa e, mentiras à parte, poucos conhecem todas as palavras profanadas pelo mestre. Bom é dizer, também, que esse mau - a incapacidade de transmitir ou endetender uma mensagem - é extremamente comum no mundo. A ignorância do ladrão é tanta, que sequer sabia do que Ruy Barbosa estava falando. Talvez seja a ignorância o maior dos males do homem, pois é ela que assola a vida e varre a cultura das pessoas.

Consoante noção cediça de que não se contesta um fato, temos de aprender a conviver com a ignorância, malgrado não precisemos nos conformar com ela. Já dizia Tomás de Aquino que a humildade é o primeiro degrau da sabedoria. Acrescenta-se, ainda, que uma das imposições para se viver em sociedade pacificamente é a aceitação das diferenças.

Entretanto, é bem verdade - e nós sabemos - que é muito bom ouvir àquele que fala bem; e é constrangedor assistir à figura do mau parolador. No dizer sempre expressivo do português culto, assinala-se a riqueza das palavras e o alcance preciso das expressões lingüísticas, em detrimento do português coloquial, carregado de informalidades - quase sempre gírias pitorescas que empobrecem o vocabulário do emissor.

É de opinião unívoca que um discurso bem proferido confere prestígio ao seu orador, uma vez que poucas pessoas sabem fazê-lo. Treinar a oratória é, acima de tudo, valorizar as próprias idéias, visto que as mais brilhantes idéias, se postas ou ditas de forma inadequada, perdem, muitas vezes, o valor que merecem ou são taxadas de ineptas.

Já é hora de começar a ler, a escrever e a falar corretamente. Sem a leitura não há de se falar em desenvolvimento lingüístico; sem a escrita não há de se falar em amadurecimento das idéias; e sem a fala correta não há de se falar em uma boa dicção. Oportuno se torna dizer, então, que a mente de muitas pessoas é um turbilhão que ferve e que é uma pena que elas deixem que as palavras morram, assim, na garganta.

5 comentários:

  1. Caríssimo Felipe,

    Deixo-lhe, para reflexões, a frase atribuída a H. Bock: SE VOCÊ CONSIDERA A EDUCAÇÃO CARA, EXPERIMENTE A IGNORÂNCIA.
    A quem cabe a responsabilidade pelo obscurantismo, pobreza e infortúnios do povo? A nós e aos políticos que elegemos.
    A estes deixo o protesto de Cícero contra a ambição e crueldade do conspirador Lucius Sergius Catilina: Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?

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  2. "Entretanto, é bem verdade - e nós sabemos - que é muito bom ouvir àquele que fala bem; e é constrangedor assistir à figura do mau parolador." Sim! Somos co-participantes de nossa ignorância, assim como a alheia...

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Pity espero que vc goste do seu trbalho....

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  5. Nossa!!! Nunca ri tanto!!! Muito bommmm!!!!!

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