1. A DIVULGAÇÃO DE FATO RELEVANTE SOBRE A REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA DO “GRUPO OI”
Em
24 de maio de 2011, a Telemar Norte Leste S.A. (“TMAR”) comunicou ao
mercado que, naquela data, sua acionista controladora Telemar
Participações S.A. divulgou fato relevante para informar que, em reunião
prévia de acionistas, conforme previsto no acordo de acionistas dos
controladores, aprovou-se determinar às administrações da própria
TmarPart e de suas controladas Tele Norte Leste Participações S.A., TMAR,
Coari Participações S.A. (“Coari”) e Brasil Telecom S.A. que iniciassem
estudos e procedimentos visando à reorganização societária das
companhias do assim chamado Grupo Oi, para fins de simplificar a
estrutura e concentrar todas as operações e participações acionárias em
uma única companhia aberta.
Para o que importa analisarmos, a reorganização proposta compreendia a incorporação de ações da TMAR pela Coari.
A
esse respeito, TMAR divulgou que os acionistas titulares de ações
ordinárias e preferenciais classes A e B da companhia, dissidentes da
deliberação que aprovasse a incorporação, teriam o direito de retirar-se
da companhia, calculando-se o valor do reembolso com base no valor
econômico das ações, conforme previsto no estatuto social da companhia.
Especificamente com respeito às condições para o exercício do direito de recesso, informou a TMAR:[1]
“Nos
termos do art. 137, §1º da Lei das S.A., os acionistas dissidentes
terão direito de retirada, o qual será exercível em relação às ações de
que sejam titulares ininterruptamente desde o encerramento do pregão do
dia 23 de maio de 2011 até a data do efetivo exercício do direito de
retirada. As ações adquiridas a partir do dia 24 de maio de 2011 não
conferirão ao seu titular direito de retirada com relação à
Reorganização Societária.”
Em
assembleia geral extraordinária da TMAR, realizada em 03 de novembro de
2011, o Banco BNP Paribas Brasil S.A., após a desistência de uma
primeira instituição indicada pelos acionistas, foi eleito para elaborar
o laudo de avaliação das ações da companhia, por seu valor econômico.
Antes
da disponibilização do laudo (que ocorreu em 23 de novembro de 2011),
em 11 de novembro de 2011, a BM&FBovespa enviou à Companhia e às
demais companhias envolvidas na Reorganização Societária um ofício,
solicitando esclarecimentos sobre "as condições relativas ao exercício
do direito de retirada no caso de acionistas que realizaram ou pretendem
realizar operações de empréstimos de ações por meio do Serviço de
Empréstimo de Ativos – BTC – administrado pela BM&FBovespa.[2]
2. A DIVULGAÇÃO DE FATO RELEVANTE DA TELEMAR SOBRE EXERCÍCIO DO DIREITO DE RECESSO POR ACIONISTAS QUE ADQUIRIRAM ESSA QUALIDADE ATRAVÉS DE ALUGUEL
Diante disso, a TMAR divulgou ao mercado, em 14 de novembro de 2011, a seguinte resposta ao ofício da Bolsa:
“Portanto,
na forma da lei, caso a titularidade de ações detidas em 23 de maio de
2011 tenha sido transferida, inclusive em virtude de contrato de mútuo
de ações (“aluguel de ações”), o acionista não poderá exercer o direito
ao reembolso com relação às ações mutuadas, uma vez que, na forma da
lei, o mútuo acarreta a efetiva transferência da titularidade das ações
do mutuante ao mutuário.
Do
mesmo modo, os acionistas que no encerramento do pregão de 23 de maio
de 2011 fossem titulares de ações por força de contratos de mútuo
vigentes naquela data, e mantenham a titularidade destas ações até o
momento do exercício do direito de recesso, poderão exercê-lo, na forma
da lei.”
Por
consequência, exigindo-se a titularidade ininterrupta da participação
acionária desde a data do primeiro fato relevante até a da assembleia
que aprovar a incorporação, o direito de recesso dos acionistas estaria
restrito ao menor estoque líquido de ações detidas em conta de custódia
durante o período compreendido entre a data de divulgação do fato
relevante até a data do efetivo exercício do direito de recesso,
impedindo-se a retirada com ações emprestadas após o fato relevante,
ainda que elas tivessem sido devolvidas antes da data do exercício do
direito de retirada.
3. O PRONUNCIAMENTO DA CVM DIANTE DA RECLAMAÇÃO DE UM INVESTIDOR SOBRE O CASO
O caso chegou à CVM.
No mesmo dia da resposta da TMAR, o Sr. Elie Lebbos protocolou na CVM uma reclamação, na qualidade de investidor.
"Sou
acionista da Telemar Norte Leste S.A. (TMAR 5). A mesma está em
processo de reestruturação conforme é de conhecimento da CVM. De acordo
com o fato relevante divulgado anteriormente, o acionista da empresa até
23/05/2011 tem o direito se quiser de exercer o direito de dissidência
em relação a esta reestruturação, situação na qual me enquadro. Ocorre
que hoje a Empresa divulgou comunicado ao mercado, querendo excluir quem
alugou as ações no período posterior à data de 23/05/2011.
Por
outro lado, alugar não é vender, pois a propriedade com todos direitos
inerentes a ela continua na titularidade do acionista. Inclusive assim é
que a Bovespa e as corretoras sempre informam aos acionistas. É certo
este procedimento da Telemar?"
Como
se percebe, o reclamante entende que a propriedade das ações, bem como
todos os direitos inerentes a ela, continua com o emprestador a confusão
foi generalizada no mercado. As dúvidas recaíam sobre quem teria
direito ao exercício da retirada no caso de ações objeto de aluguel.
Respondendo à reclamação do investidor, a CVM concluiu:
“Assim,
aquele acionista que detinha ações na data de referência, caso aliene
suas ações e posteriormente readquira número igual de ações, antes da
assembleia que delibere sobre a Reorganização Societária, também não
terá direito de recesso, pois já conseguiria (e efetivamente conseguiu)
deixar a Companhia, sem onerá-la (pois o recesso representa uma saída de
caixa da Companhia).
A
dúvida levantada não se refere à alienação, mas ao empréstimo de ações
por um acionista que as detinha em 23.05.11, efetuado posteriormente a
tal data. A transferência das ações via empréstimo prejudicaria seu
direito de retirada?
Analisando
a natureza jurídica do empréstimo de ações, entendo que o direito de
recesso sairia prejudicado caso a ação fosse objeto de empréstimo
posterior a 23.05.11. Como já visto anteriormente, tratando-se de uma
espécie de mútuo, no empréstimo de ações o direito real de propriedade
da ação é transferido do doador para o tomador, mesmo que
temporariamente. Assim, perante a Companhia, o doador das ações deixa de
ser o titular das mesmas.
Desta
forma, juridicamente, não é possível afirmar que as ações objeto de
empréstimo permaneceram ininterruptamente com o mesmo proprietário.
Quando foram emprestadas ao tomador, este tornou-se o novo proprietário
das ações, prejudicando o direito de recesso detido pelo doador.”
4. CRÍTICA À POSTURA DA CVM
Sob
um prisma finalístico, a postura da CVM quando ratificou a exigência de
condições para o exercício da retirada significa que um número grande
de acionistas não teriam direito a recesso.
O
primeiro efeito é a falta de participação desses acionistas no “voto
indireto” sobre a operação e o consequente não cumprimento do interesse
social em seu sentido organizativo.
O
segundo efeito, indireto, mas não menos importante é que, aceita tal
tese, a liquidez de ações após anúncio de operações societárias será
tremendamente diminuída.[4]
Os
investidores não se sentiriam seguros em vender ações da TMAR, mesmo
que para recomprá-las mais à frente. Essa falta de liquidez que pode ser
facilmente interpretada como desaprovação das operações pelo mercado,
pode colocar as próprias operações que se pretende realizar em sério
risco, pois nenhuma companhia aberta minimamente comprometida com os
investidores tende a levar adiante operações claramente desaprovadas
pelo mercado acionário.
A
tese defendida pela TMAR e ratificada pela CVM tem, portanto, um
poderoso e perigoso efeito “boomerang”, podendo voltar-se contra as
próprias companhias e a viabilidade de suas operações.
Igualmente,
do ponto de vista lógico-dogmático melhor sorte não assiste a tese:
exigir a titularidade contínua de ações é incompatível com o caráter
fungível desses títulos.
As
ações são vendidas por operações eletrônicas, muitas vezes
desmaterializadas (prescindindo da cártula), importando somente a
quantidade de títulos de que o agente é titular. Se isso é verdade, como
tratar, por exemplo, a situação de investidor que no mesmo momento
vendeu títulos e recomprou-os na mesma quantidade? A seguir a risca o
raciocínio (ilógico) da TMAR e da CVM não teria seu titular direito de
recesso nem por uns nem pelos outros.
Muito
ao contrário, à luz do direito material, pouco importa a cártula em si,
mas sim a quantidade detida no momento da aquisição do direito e no
momento do seu exercício.
Como se depreende, o Colegiado da CVM entendeu, como nós, que se trata de mútuo,
mas deu efeitos, a nosso ver, incompatíveis sobre a aplicabilidade do
direito de recesso, pois deveria ter considerado, com relação ao
mutuante, o número de ações detidas na data da publicação do fato
relevante pela TMAR, tendo em vista que a companhia não pode exigir
requisitos não existentes na lei.
O
fato do contrato de mútuo transferir a propriedade das ações ao
mutuário não guarda relação com a aquisição do direito de retirada do
mutuante contra a companhia: o direito foi adquirido no momento em que o
mutuante titulava as ações.
Dessa
forma, ainda que posteriormente o acionista mutue suas ações, no
momento do exercício do direito de recesso já antes adquirido, desde que
apresente à companhia ações em quantidade, gênero e espécie iguais, em
razão da fungibilidade da coisa, há de ser possível concretizar a
retirada.
Dr. Marin, gostaria que me fornecesse seu -mail para aprofundarmos a discussão sobre o texto acima brilhantemente exposto.
ResponderExcluirAtt.
Matheus Quintiliano, um velho amigo!
e-mail: magaqui4@hotmail.com