sexta-feira, 9 de julho de 2010

"- Eis o Mistério da Fé!"

Caro leitor, sei que poderão lhe causar estranheza e repúdio essas minhas palavras, mas se não as escrever não lhe transmitirei os meus mais profundos matutos. Daí, tornar-me-ia mais um covarde que esconde as mazelas da carne humana.


"- Eis o Mistério da Fé!"

As perguntas que não querem calar sempre foram as relativas à metafísica. “Sim, Deus existe”, taxativamente diria um padre, um pastor ou outro líder religioso. Contudo, a questão merece, de fato, reflexões mais meticulosas em face da sua complexidade e da sua delicadeza. Assim, é bom e derradeiro chamar a julgamento algumas passagens intrínsecas na alma social.

Desde o tempo das cavernas e das civilizações tribais, o homem deixou registros que acreditava em Deus, ou melhor, em Deuses, visto que o politeísmo era comum naquela época. Era nessa crença que o homem antigo encontrava a resposta para os fenômenos que não conseguia explicar.

Nessa extirpe, acreditavam os homens primitivos, por exemplo, que uma tempestade era o indício da fúria do “Deus da Chuva”. O que fazer para impedir o tal Deus de desabar o céu sobre os pobres homens de tanta ira? Fácil. Bastaria agradá-lo oferecendo uma virgem em sacrifício.

Passou-se o tempo e o homem descobriu que a tempestade não cessava em razão da oferenda da virgem. Isso foi percebido porque ao ofertar a virgem, as chuvas, os trovões, as ventanias continuavam, mostrando que não havia relação de troca. Em outras palavras, era inútil dar uma virgem ao “Deus da Chuva”, constatado que não havia benefício algum em retorno.

Depois veio a ciência, explicando o fenômeno da chuva com riqueza de detalhes e com constatações fáticas, o que lhe é peculiar, e afastando a ideia da existência do "Deus da Chuva". Com isso, esmagou o pensamento ingênuo dos primatas desesperados por uma explicação sobre a chuva. E dessa maneira acontece com muitas crenças e superstições que a ciência vem desmistificando com constância.

É bem sabido que existem cinco questões que, em verdade, são irrespondíveis, a saber: quem sou eu? de onde vim? para onde vou? por que existo? por que sou como sou? Na busca por respostas a essas cinco questões fundamentais, todo o conhecimento da humanidade foi construído sem, até o presente momento, encontrar respostas certas e unívocas a elas.

Destarte, vale dizer que uma criança, infantil como é, necessita de resposta, como o corpo necessita da ginástica, e se satisfaz, portanto, com qualquer informação que ouve de alguém que ela presume saber mais sobre as coisas da vida. Isso perdura até que comece a crescer e descobrir as coisas por si mesma.

É cediça a noção de que todo homem é um pouco criança, especialmente no tocante à curiosidade incessante que o instiga a buscar o progresso e, conseguintemente, o crescimento. Também, já foi dito que não são as respostas que movem a humanidade, porém as perguntas.

Feitas essas considerações, chega-se ao ponto mais crucial: por que o homem acredita em Deus? Voltemos, pois, às reflexões e tentemos achar uma explicação do porquê que o homem é um credor da divindade.

A capacidade do homem de criar, como bem se conhece, é infinita. Assim, quando não obtém uma explicação científica para alguma coisa, recorre à sobrenaturalidade. Isso já foi demonstrado com o exemplo do homem das cavernas que acreditava no “Deus da Chuva” por não conseguir explicar o fenômeno da chuva.

Imaginar que uma idéia possa existir fora da mente humana é um erro. Esse erro, na filosofia, se chama hipostase. Nessa vereda, acreditar na existência de um personagem criado pela mente designa um equívoco cognitivo que consiste na atribuição de existência concreta a um ente fictício.

Pois bem. Se Deus é fruto da mente do ser humano, a partir da sua necessidade de achar uma resposta para todas as perguntas fundamentais, logo é um ente fictício. Se, porém, não é fruto da mente do homem, deveríamos saber responder à pergunta “de onde vem Deus?”.

A essa altura, e diante da dificuldade de encontrar uma resposta plausível para a questão “de onde vem Deus”, cumpre-nos matutar a respeito da parte mais intrigante de uma missa (católica), quando o padre canta, gemendo, com a voz trêmula, “- Eis o mistério da fé!”, que ecoa por toda a igreja e condói o coração dos fiéis.

Perante o exposto, há de se ressaltar que é incontestável o mistério da fé. Ora, trata-se de um mistério. Por isso, acabam-se as reflexões. As respostas estão aí, na crença, no mistério. Os limites para o questionamento, bem como as respostas para as questões fundamentais, residem na fé. Não há necessidade de se saber a verdade fática das coisas, é bastante acreditar. Logo, pode-se afirmar que, para a fé, o senso científico é descartável.

Então, já que a ciência não desvendou a legítima “regina probationum” (rainha das provas), para cessar qualquer dubiedade sobre a origem das coisas, acreditemos em Deus. Não há outra explicação. É o que nos resta. É a nossa fuga, a mentira (ou verdade, sei lá) que nos conforta. Copiemos, pois, os nossos antepassados, mas agora ao invés de acreditarmos no “Deus da Chuva”, creiamos em um Deus que criou o Universo.

Por fim, cabe uma última observação, caro leitor. É mister esclarecer que crer num Deus Criador não significa crer nas páginas dos ditos Livros Sagrados, haja vista que as passagens transcritas na Bíblia representam a perspectiva de um povo e a sua fé religiosa e, diga-se de passagem, seria humanamente impossível afirmar que Adão e Eva povoaram o mundo todo – mas isso, caro leitor, é pauta para outra reflexão...